Melhores de 2015: RPG

2015-mini-2011Este artigo faz parte da série Melhores de 2015, com os games lançados este ano que este humilde blog considera que devem ser jogados por quem puder. Consulte a página Melhores de 2015 – Lista de categorias para ver as categorias do ano e o artigo Aquela listinha em andamento para ver quais jogos são candidatos a todas as categorias.

Seguindo no tema “menos é mais” de 2015, o mundo dos RPGs eletrônicos não chegou a ter muitos títulos de nota ao longo do ano – mas caramba, talvez também nunca tenham sido tão bons. Cinco séries retornaram em grande estilo, sem medo de sacudir as coisas pelo menos um pouco, e obtiveram resultados variados, mas sempre com gana de melhorar. Entre fazer um verdadeiro milagre com hardware limitado até “pular” no mundo dos MMOs sem fazer feio, ou ainda elevar a ação, o combate e a narrativa a níveis equivalentes (ou melhores!) aos de muitos jogos lineares, os RPGs de 2015 não sugaram sua vida apenas por serem extensos e imersivos: o fizeram por pura excelência em diversos aspectos.

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No geral, o menos impressionante foi The Elder Scrolls Online – tanto que muitos fãs de Skyrim não querem vê-lo nem sob tortura. É compreensível, considerando que boa parte da imersão escorre pelo ralo quando se tem outros jogadores passando na frente o tempo inteiro, geralmente fazendo alguma coisa estapafúrdia. Mas se você, como eu, sempre acaba largando os jogos da série por falta de um combate melhor, de uma narrativa mais profunda, de maior variedade visual ou motivos extras para continuar zanzando pelos vastos mundos que Elder Scrolls apresenta, a versão Online oferece tudo isso, se estiver disposto a abrir mão de convenções estabelecidas na série. Especialmente em 2015, quando finalmente chegou aos consoles e ofereceu suporte a controle.

ElderScrollsOnline4

O combate é mais variado, ao mesmo tempo em que se livra de certas restrições antes impostas pela necessidade de imersão absoluta, deixando-o mais fluido – por exemplo, flechas agora são infinitas. Por outro lado, ainda se escora bastante em gerenciamento de cooldowns, como quase todo MMO. Já a narrativa nunca foi tão boa e impactante na série: mesmo nas primeiras horas, as ações do jogador definem a postura de toda uma ilha em um momento de crise, além do destino de personagens-chave. O escopo do mundo desta vez não se restringe a apenas uma região de Tamriel, e sim apresenta todo o continente; ou seja, nunca Elder Scrolls foi tão artisticamente diverso, incluindo visuais de todos os jogos anteriores.

O jogo tem seus problemas, como as restrições impostas pela narrativa na hora de reunir jogadores – se seu amigo estiver em uma covenant diferente, não poderá jogar no mesmo grupo que você – ou os bugs ocasionais e a engine envelhecida de Skyrim, mesmo após alguns “tapas” visuais. Se essas coisas não importarem muito, vale a pena jogá-lo, ainda mais após a Bethesda abrir mão das mensalidades. Vale dizer também que é perfeitamente possível jogá-lo sozinho: nada de importante exige grupos de jogadores. A grande questão é que, mesmo com narrativa, direção de arte e combate bem melhores, Elder Scrolls Online não tem nada de brilhante, ainda mais em comparação com os outros RPGs do ano.

BloodborneDjura

Bloodborne, por exemplo, já apareceu aqui nas categorias Horror e Ação/Aventura por ser excelente nesses aspectos, mesmo sem ter nenhuma obrigação de sê-lo. Talvez alguns considerem-no menos “RPG” por conta disso, ou por ter menos armas, itens e armaduras, ou talvez ainda por desconsiderar mecânicas tradicionais da série Souls, como peso dos equipamentos. Mas ainda temos escolhas que selam o destino de personagens, o mundo único e misterioso a ser explorado, a importância da escolha do item certo para a hora certa e outras características que definem um RPG, todas elas tratadas da maneira que nos acostumamos a ver nos jogos da From Software.

Foi bom ver a empresa sair um pouco da zona de conforto e abrir mão de algumas coisas de Dark Souls para fazer algo diferente, mas ainda com sua cara. O jogo não se chama Bloodborne em vez de, sei lá, “Blood Souls” à toa. O que foi “perdido” em termos de customização e gerenciamento de personagem permitiu que fizessem algo mais fluido, e por tabela ainda mais tenso. Nunca a tendência da From Software de deixar grandes partes da narrativa e do passado do mundo em aberto, para interpretação exclusiva do jogador, rendeu tanto quanto em Bloodborne, em grande parte graças às inspirações em Lovecraft, Bram Stoker e horror gótico em geral. O jogo é outro grande exemplo de “menos é mais” – uma lição que muitos outros títulos, de RPG ou não, poderiam aprender.

XenobladeChroniclesXcombat

E vejam bem, “menos é mais” nem sempre significa ter menos itens e mecânicas para se concentrar em torná-los melhores. O combate de Xenoblade Chronicles X, por exemplo, é uma cornucópia de sistemas, efeitos, armas, fatores e possibilidades. É, disparado, o RPG mais intimidante em termos de variedade estratégica e mecânicas de combate desde pelo menos Resonance of Fate, e talvez ainda mais difícil de dominar. Também apresenta o maior mapa já feito em qualquer jogo, superando SkyrimThe Witcher 3Fallout 4 somados (sim, somados); não que isso seja uma qualidade em si, mas a quantidade e a variedade de monstros, alienígenas e cenários acompanha e justifica essa expansividade toda. Aliás, todos esses inimigos têm comportamentos distintos, inclusive dependendo da hora do dia. E até gerenciar o mapa no Gamepad assusta graças à quantidade de ícones, cores e textos que representam o que você pode fazer e o que está instalado naquela área.

Todos esses “mais” são consequência do foco absoluto no que os desenvolvedores sabiam que podiam fazer melhor; Xenoblade Chronicles X tem seus “menos”. A história do jogo é esparsa; há poucas decisões, e elas praticamente nunca importam; as cutscenes equivalem às de um jogo de PS2 (sim, dois) em upscale para 1080p; a variedade de tarefas paralelas é muito menor que tal mundo gigantesco poderia suportar; as opções de customização da aparência do personagem são bem limitadas; o jogo poderia ter mais tutoriais, dada a complexidade; e há apenas uma cidade-hub, com todo o resto do mapa composto por paisagens, animais, inimigos, construções esparsas e pontos de instalação de sondas. Se você está buscando imersão e empatia com personagens através de uma narrativa boa, Xenoblade Chronicles X não é para você.

XenobladeChroniclesXmapa

Ao mesmo tempo, o jogo é o RPG eletrônico por excelência para quem busca progressão, combate intrincado, upgrades, liberdade de exploração e aquele senso indefinido de constantemente superar um desafio na pura inteligência. Os confrontos são livres e em tempo real, mas conseguem incorporar o melhor dos combates por turno: escolher o personagem, a habilidade/”magia”, a arma e o item certo contra o adversário certo, na hora certa. Não exige timing de esquiva ou defesa, mas posicionamento e escolhas corretas. E a quantidade extrema de inimigos e áreas torna a descoberta de possibilidades um exercício que lhe tomará dezenas e dezenas de horas por si só, recompensando-o no ritmo certo para gerar aquela mesma sensação de triunfo que RPGs de ação como Dark Souls oferecem por outros meios. Xenoblade Chronicles X é voltado a um público bem específico, disposto a ler o manual antes de jogar para entender trocentos fatores, e é um milagre que exista em um mero Wii U, mesmo considerando tudo que os desenvolvedores abriram mão.

Chega a ser engraçado falar de Fallout 4 depois dele, porque não poderiam ser mais diferentes. A principal crítica de alguns fãs, de que a Bethesda teria entregue apenas mais um jogo da série sem grandes novidades, tem seus pontos válidos: o mapa não é exatamente maior, alguns sistemas foram limados (como Reputação), a engine não evoluiu muito, e aqueles bugs que estamos acostumados a ver continuam lá. Porém, a empresa sabe que o forte de seus jogos é a imersão, e preferiu investir em melhorar a série nesse sentido. A primeira coisa que salta aos olhos é a direção de arte: nunca foi tão variada nos jogos da empresa, mesmo dentro dos limites impostos pelo cenário. Os diferenciais de Fallout para outros mundos pós-apocalípticos nunca ficaram tão à frente, tão destacados, seja no visual das diversas locações com cara de anos cinquenta ou nos efeitos (por exemplo, todas as grandes explosões geram um cogumelo atômico).

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Em vez de “medir pica” com outras empresas em tamanho do mapa, a Bethesda resolveu recheá-lo mais: a impressão é de que, a cada meia dúzia de passos, você topa com um lugar novo. Atirar em 1ª pessoa sem usar o sistema V.A.T.S. talvez ainda não seja tão fluido quanto nos melhores jogos de tiro, mas agora é funcional, ao contrário de Fallout 3New Vegas. O mundo finalmente parece vivo, com personagens carismáticos, narrativa profunda, facções diversas que estão sempre presentes e escolhas mais “cinzentas” do que nunca (sem a desesperança quase total de um New Vegas). Mecânicas e controles básicos foram refinados e expandidos, com possibilidades de customização de armas e armaduras e mais slots de acesso rápido ao toque de um botão.

O que o jogo realmente trouxe de novo não fez feio, também. Os companions nunca foram tão acessíveis, importantes, úteis e narrativamente desenvolvidos: grande parte do prazer de Fallout 4 é escolher o companheiro para a hora certa, conversar com ele, desenvolver uma relação e, em alguns casos, “abrir” missões extras que estão entre as melhores do jogo. Agora também é possível construir coisas, atribuir NPCs a certas tarefas e expandir os “assentamentos” em que vivem; embora a funcionalidade peque em alguns aspectos (não há um menu para gerenciar os “colonos”), ter esse sistema opcional com um mínimo de funcionalidade já ajuda horrores a elevar a sensação de “pertencer” àquele mundo. Nunca em Fallout você pôde ter uma influência tão direta na reconstrução da humanidade; por consequência, nunca a série apresentou tanta esperança no futuro, mesmo em meio a todas as idiossincrasias, atitudes e pontos de vista de tantas pessoas (e outros seres) diferentes em uma situação tão extrema.

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Fallout 4 pode não ser uma revelação, uma grande surpresa ou um salto evolutivo gigante, mas é um desvio de rota muitíssimo bem-vindo para os jogos da Bethesda. Os desenvolvedores se concentraram em melhorar o que estava ficando inaceitável, como uma certa pobreza narrativa (especialmente no desenvolvimento da maioria dos NPCs) e mecânicas básicas envelhecidas, e em adicionar apenas o que fosse estritamente necessário para deixar Fallout ainda mais imersivo. Assim como a Monolith Software em Xenoblade Chronicles X, a Bethesda resolveu expandir o que fazia de melhor – só que, no caso de Fallout, isso significou melhorar o que fosse preciso para manter o nível da imersão acima da média. Nada de perder tempo com “perfumarias” que não fossem realmente úteis, como aumentar arbitrariamente o número de perks apenas para agradar o jogador de RPG médio.

Ainda assim, Fallout 4 não chegou nem perto do melhor RPG de 2015, que evoluiu em basicamente tudo

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The Witcher 3: Wild Hunt (PC/PS4/XOne)

thewitcher3pc1jpg-4dfaf8Se no Melhor Jogo de Ação/Aventura de 2015, Metal Gear Solid V: The Phantom Pain, o destaque maior foi o quão inacreditável a jogabilidade era, em The Witcher 3: The Wild Hunt temos o outro lado da mesma moeda. Ou melhor: o outro hemisfério do mesmo globo, já que uma simples “moeda” como metáfora não dá conta da complexidade de ambos. Não é apenas em história que o jogo da CD Projekt Red vai muito além da média: tudo que a habilita – estrutura, atuações, trilha sonora, diálogos, decisões e seus impactos – segue o mesmo padrão de qualidade. Um padrão que, pessoalmente, não conseguiria imaginar a não ser daqui a alguns anos, quando a tecnologia avançar tanto que o próprio jogo possa se “autorregular”, gerando conteúdo por conta própria em reação ao que o jogador fizer.

Claro, há um tanto de hipérbole aqui, mas The Witcher 3 passa sim a sensação de ser uma entidade viva em diversos momentos. Não se trata apenas de tudo ser bem escrito e pensado, mas sim bem posicionado. Mesmo após horas zanzando pelo mundo do “bruxeiro”, não se encontra um NPC desinteressante, uma missão paralela previsível e/ou sem graça, nem um evento que não esteja intimamente ligado à narrativa, seja ela a principal ou as diversas subtramas. Claro, talvez haja um momento ou outro que não agrade, mas será sempre uma exceção que confirma a regra. O segredo é o cuidado em fazer o mundo ganhar vida não apenas através da variedade, e sim da propriedade de cada elemento, seja ele visual, mecânico ou narrativo. É uma lição que a Bethesda está aprendendo de verdade só agora, a partir de Fallout 4, mas que já se desenhava em The Witcher 2 e foi refinada quase à perfeição no terceiro jogo.

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A série The Witcher sempre se destacou pela sagacidade dos seus autores, mas não havia garantia nenhuma de que todos os tons de cinza, todo o humor (às vezes negro) e todas as situações inusitadas e difíceis de lidar iriam sobreviver intactas à transição para um mundo aberto. Não apenas elas sobreviveram em The Witcher 3, como o mundo aberto na verdade as intensifica: missões principais iniciam subtramas que abrem missões secundárias em outro lugar, que se integram a eventos mais amplos, que por sua vez afetam missões principais ou o estado do mundo. Os autores e os designers entenderam que o vasto espaço disponível não demanda necessariamente mais pompa épica, e sim que o contexto de cada situação não exista no vazio. O jogador sente que cada missão “retroalimenta” o mundo – uma ferramenta de imersão mil vezes mais valiosa do que incluir minigames/sistemas de corte e costura medieval ou algo que o valha.

Não que The Witcher 3 pegue leve nos “adendos”. Há corrida de cavalos, jogos de cartas e distrações puramente narrativas como cortar o cabelo e ir ao puteiro, mas mesmo essas atividades às vezes abrem possibilidades narrativas novas. Nada está lá “porque sim”. A mesma filosofia se aplica a sistemas “clássicos”, como escolha de equipamentos (e seus efeitos), upgrades e itens: o jogo não inclui nada que não seja 200% pertinente ao universo literário que o inspira, descartando clichês medievais que não se encaixam (por exemplo, bastões mágicos ou armas/armaduras gigantes). Como se não bastasse, outras mecânicas e sistemas são únicos e têm no mínimo tanto “peso” quanto os “clássicos”: mesmo que você escolha as melhores roupas e espadas, não adiantará muito se não usar os “sentidos de witcher” e investigar direito; não ler os tomos para saber qual óleo, poção ou item usar contra qual adversário; não dominar o timing do combate; e não ter uma boa percepção de como cada diálogo e atuação tem nuances que podem permitir evitar um confronto ou desfecho desnecessário.

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Como escrevi na categoria Melhor Jogo de Ação/AventuraThe Witcher 3 ainda se dá ao direito, mesmo com toda sua excelência sem par como RPG, de ter um imenso carinho com a ação. Pode não ser um Dark Souls em termos de refinamento da jogabilidade, mas está dois passos à frente de qualquer outro RPG nesse sentido. Em nenhum outro RPG eletrônico é tão fácil se perder mesmo quando se quer apenas retalhar monstros e rufiões – e esse é um dos motivos pelos quais ainda nem encostei no primeiro DLC, Hearts of Stone, mesmo após terminar a história principal e diversas subtramas. Enquanto outros RPGs tentam se escorar no senso de imersão ou em combates “parados” e estratégicos para manter seu interesse, The Witcher 3 consegue te prender pela ação e ainda te oferece “de brinde” imersão de primeiríssima qualidade, além de exigir quase tanta preparação quanto os melhores RPGs táticos. Ainda por cima, também está acima da média no visual e na trilha sonora.

Assim como Metal Gear Solid VThe Witcher 3 não é absolutamente perfeito. Mesmo após diversos patches, alguns bugs ainda “pipocam” aqui e ali, embora nenhum com efeitos debilitantes como perda de progresso ou mortes repentinas. Os menus ainda não estão 100%, mesmo após melhorias como maior nitidez nos textos e adição de filtros. Os cenários externos poderiam ser um pouquinho mais diversos, embora a direção de arte seja fora de série nas partes internas – a decoração, os móveis e detalhes em geral variam a cada construção e locação. E andar a cavalo não é mais funcional e útil do que, digamos, em um Red Dead Redemption, um jogo da geração passada. Mas nada disso sequer arranha a surpresa da experiência como um todo, muito menos o senso de estupefação diante de como o jogo acertou tanto.

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Assim como em Metal Gear Solid V, o terceiro jogo da série The Witcher parece exigir mais tempo de desenvolvimento do que efetivamente teve, embora por outros motivos. É como um milagre diferente – mais duradouro, internalizado e particular do que sobrenatural. E assim como a obra-prima de Hideo Kojima, não é um jogo apenas para 2015: é um RPG para as eras e, talvez, o melhor jogo de qualquer gênero já feito. Ganhar como Melhor RPG deste ano é apenas uma consequência menor.

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Games que não joguei e poderiam ter entrado nesta categoria: Citizens of Earth, Divinity: Original Sin Enhanced Edition, The Incredible Adventures of Van Helsing III, Lost Dimension, Shadowrun: Hong Kong, Wasteland 2 Director’s Cut

3 comentários sobre “Melhores de 2015: RPG

    • Vou ter que incluir na parte final, a dos games de 2015 que não joguei. Achei que estava na minha lista de Excel anual, mas não está sei lá por que – na minha wishlist do Steam consta.

      Uma coisa que não ajuda é que tenho pelo menos uns 4 Tales of… para jogar entre PS3, Xbox 360 e 3DS, então não vou comprar mais um nem tão cedo.

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