Melhores de 2021: retrospectiva e honrarias diversas

Continuando uma tradição iniciada em 2017 e que retomei em 2020, chegou a hora de relembrar momentos especiais dos games no ano através de uma série de “categorias” menores que servem como honrarias especiais. É uma maneira simples de fazer uma retrospectiva de 2021 e destacar coisas em jogos que não necessariamente aparecerão no topo de listas. É onde eu posso destrinchar com mais cuidado ideias de design, acontecimentos da indústria e outras coisas que não cheguei a cobrir durante o ano. E, se você prestar bem atenção, também será uma boa base para tentar adivinhar mais jogos que estarão no meu top 10 ou 15 do ano. Então vamos às honrarias, organizadas por tema!

«««««««««««««««««««« 2021 »»»»»»»»»»»»»»»»»»»»

A nossa querida indústria e seus incríveis consumidores

Ah, a indústria de games. 2021 foi mais um ano de pandemia, agora quase como um fato corriqueiro do dia a dia – o que deveria deixar as pessoas aterrorizadas com a evidente engenharia social em curso, mas vamos deixar isso para lá que este blog é de games. O fato prático é que 2021 viu mais adiamentos de jogos, mais casos de títulos saindo com problemas no lançamento e outros efeitos atribuídos à mudança de hábitos de produção, como desenvolvedores fazendo home office e afins. O mais triste é que, em muitos casos, isso obviamente não foi verdade: o jogo sairia daquele jeito mesmo que tudo já estivesse normal, e só não viu quem não quis. Uma das categorias abaixo discorre sobre isso, mas estou me adiantando.

Também tivemos a continuação de problemas surgidos em 2020, como a escassez de componentes eletrônicos e, por consequência, de produtos como os novos consoles e placas de vídeo. Foi um saco durante o ano inteiro ver comentários sobre scalpers (gente que compra produtos para revender bem mais caro no eBay e afins) e choro linha “ninguém tem o console”, a despeito de tanto PS5 quanto Xbox Series estarem vendendo mais do que seus antecessores no mesmo período. Enquanto isso, o Switch continuou dominando as vendas mesmo estando em seus últimos suspiros em termos de capacidade de processamento, tanto por ser o console moderno mais fácil de encontrar quanto pelo constante lineup de bons jogos.


> Estrago do ano

Essa não tem muito o que pensar em dizer: é claro que foi tudo relativo à Activision-Blizzard. Processo do governo da Califórnia por discriminação de gênero e maus-tratos aos funcionários, o êxodo de World of Warcraft, grandes projetos internos perdendo todas as suas figuras centrais (fosse por conta do processo ou não)… A empresa pegou fogo como nunca vimos na história dos videogames, talvez desde o crash da Atari e do mercado nos anos 80. Ouvimos histórias horríveis que incluíam até suicídio de funcionária por ter fotos nuas divulgadas a todos em pleno retiro da empresa e acusações de que o próprio CEO, Bobby Kotick, se engajou em maus-tratos (no mínimo) e perseguições enquanto fazia acordos judiciais na surdina, sem informar os acionistas, e acobertava diretores e outros funcionários de alto escalão.

Tragédias humanas à parte, outra coisa triste dessa história é que o 2021 desastroso da ActiBlizz só carimbou sua evidente morte criativa, acelerando a decomposição do cadáver que ela tentava esconder no porão. O êxodo de streamers famosos de WoW – e, por consequência, de seus públicos – para Final Fantasy XIV não foi um evento isolado, e sim resultado da gota d’água que fez o copo da frustração com o jogo, enchido aos poucos durante os últimos anos, transbordar de vez. O mesmo vale para a saída de nomes importantes da empresa, que já ocorria há bastante tempo e em 2021 chegou até a Jeff Kaplan, “o cara” de Overwatch, o último grande novo sucesso da empresa lá no longínquo 2016. A ActiBlizz hoje é uma máquina de CoD e Hearthstone que não sabe o que mais vai fazer, e eu não apostaria nem mesmo que Diablo 4Overwatch 2 chegarão a existir um dia.


> Estúdio ou publisher do ano

Desde pelo menos Resident Evil 7 a Capcom tem sido quase perfeita, lançando novos títulos candidatos a jogos do ano e remasters, remakes ou resgates de seu catálogo clássico escolhidos a dedo. Desde então, todo ano ela é candidata a prêmios desse tipo, mas eu acho que em 2021 ela se superou. A Capcom lançou meu hoje Resident Evil preferido, Village, e dominou os memes do primeiro semestre com uma das personagens mais emblemáticas de toda a série, Lady Dimitrescu; tirou The Great Ace Attorney da prisão japonesa e disponibilizou os dois jogos no mundo todo com um ótimo remaster; lançou um novo Ghosts n’ Goblins, ainda que não tão bem recebido quanto o resto; criou uma compilação de seus jogos de fliperama com uma série de recursos interessantes, Capcom Arcade Stadium; e, por fim, soltou não um, mas dois Monster Hunter, ambos sempre aparecendo em listas de melhores jogos do ano em suas respectivas categorias.

No fim do ano, em um anúncio inesperado, a empresa revelou que vai se dedicar mais ao mercado de PC – e já demonstrou parte disso ao anunciar Sunbreak, a próxima “expansão massiva” de Monster Hunter, como lançamento simultâneo no PC e no Switch, a despeito do port de PC do jogo-base Rise só chegar agora em janeiro. Apesar de não estar mais tão a fim de jogar no PC, não culpo a Capcom: há anos que seus jogos vendem melhor lá do que em certos consoles. E o ano foi tão bom para ela que até um leak interno gigantesco, com todos os supostos lançamentos da empresa nos próximos anos, acabou não causando tanto estrago assim, e sim criando mais hype e respeito do que desdém. Capcom, por favor, continue assim.


> Idiotice gamer do ano

Como sempre, eu poderia listar trocentas coisas aqui. Gente respondendo “jogo de carro LOL” à ideia de premiar Forza Horizon 5 como Jogo do Ano de 2021. Pior, gente tentando achar argumentos sérios para negar essa ideia – não a qualidade do jogo, que sempre pode ser discutida, e sim a mera sugestão de que um jogo “de carro” possa ser Jogo do Ano. Pera, não, pior do pior: gente usando coisas como “falta de história” entre esses argumentos “sérios”. Cara, eu morro de pena de gente assim; é como ver um idoso ficar senil de vez, é triste pra porra. Tem também as pessoas continuarem jogando e dando trela para Genshin Impact ou Fortnite, ou continuarem se entregando a hype mesmo em franquias e/ou estúdios que não lançam nada realmente bom há tempos… Pera, é aqui que a idiotice vencedora está.

Eu passei o ano inteiro sem entender por que qualquer pessoa acreditou em Battlefield 2042. Desde o momento do anúncio até o lançamento, eu só vi sinais ruins. Eu ouvi podcasts da imprensa oficial babando de expectativa pelo jogo… antes de sair um trailer que fosse, tudo baseado apenas em comunicados à imprensa. Bastou a EA dizer que tinha colocado vários estúdios no jogo, que “não haveria crunch” e que estava tudo “nos conformes” e do nada veio esse hype, sem nem uma portinha de carro sendo fechada ou sujeito de sobretudo hackeando tudo com um smartphone para justificar. O primeiro grande trailer mostrou uma das cenas mais CoD/Michael-Bay que já vi – a do cara pulando do avião para usar um lança-foguetes e voltar ao avião ainda no ar – e o pessoal comemorou, em vez de notar que era a coisa menos Battlefield possível. Nem Bad Company, o spin-off mais zoeiro, tinha disso. E por fim veio o beta cagado e ainda tinha gente comprando a desculpa de que era um “build velho”…

Aí, quando o jogo veio mutilando muito do que sempre foi a essência de Battlefield, trocando classes e sistemas de jogo em esquadrão por “especialistas” e mapas maiores que nada acrescentaram ao jogo, todo mundo pareceu surpreso e decepcionado. Sério mesmo? Minha única surpresa com Battlefield 2042 é ele não ser ainda pior. Não, minto: por mais que estivesse prevendo ruindade, não esperava que o jogo fosse reduzir a capacidade de destruição e a excelência em áudio, duas outras marcas registradas da série. E assim, tudo relativo a 2042 resumiu uma das piores tendências de parte da imprensa e do público: ainda acreditar em gráficos de ponta, maior contagem de jogadores ou declarações “bonitinhas” como indicação de alguma coisa. Hoje em dia, isso tudo está mais para dica de que lá vem bomba. Será que mais gente vai finalmente acordar em 2022 depois dessa?


> Plataforma/aparelho do ano

Olha, eu adoro meu PS5, eu adoro meu Xbox Series X. Basta ler as minhas primeiras impressões após a compra de ambos, ou o artigo de como essa geração está sendo sim transformativa, para entender isso. Os aparelhos também ganharam alguns dos melhores jogos de 2021, como Returnal na Sony e Forza Horizon 5 e Psychonauts 2 na Microsoft. E esses títulos foram cercados por outras coisas pelo menos boas ou interessantes ao longo do ano, como o novo Ratchet & Clank, Deathloop e Halo Infinite. As duas empresas deram algumas derrapadas, como tentar anunciar um fim repentino e prematuro às lojas de PS3 e Vita ou ameaçar um aumento de preço enorme na Live, ambas voltando atrás após o backlash evidente. Ainda assim, Sony e Microsoft tiveram um bom ano inicial com seus novos consoles, justificando a existência deles – e a demanda inusitada e recorde só comprova isso.

O problema é que nenhum dos dois consoles foi o Nintendo Switch em 2021. Eles não tiveram No More Heroes III, não tiveram dois Monster Hunter ótimos, não tiveram Metroid Dread e não tiveram Shin Megami Tensei V. Pior, o Xbox não teve nem Persona 5 Strikers ou SMT III Nocturne HD Remaster. Por melhores que sejam jogos como Ratchet ou Halo, parte da graça deles ainda se escora demais em aspectos técnicos que nunca superarão pura excelência em gameplay, e foi aí que o Switch reinou. Mesmo com jogos suando para manter 30 frames (salvo Dread), mesmo com jogos que nem conseguem chegar a resoluções Full HD (girando em torno de 900p), mesmo com hardware defasado e suporte de terceiras migrando para a nuvem… E um hardware que eu nem mesmo jogo como portátil mais.

E parece que o Switch ainda terá mais um último grande ano em 2022, com Bayonetta III, Splatoon 3, um novo Breath of the Wild e talvez Metroid Prime (seja um remake ou o quarto jogo), entre outros. É o triunfo de jogo sendo bom jogo antes de ser cineminha interativo, e espero que a Nintendo lance logo um Switch 2 para não acabar inviabilizando até esses jogos menos “realistas” e mais divertidos/criativos que ainda insistem em apostar na plataforma. Quando jogos como RiseSMT V tiverem suas futuras versões vendendo feito água no PC e mais pessoas notarem que é melhor esperar eles irem para o Steam do que comprar no Switch, vai ser tarde demais. Mas isso é o futuro… O agora ainda foi do Switch, sem muita discussão.


> Troféu Imprensa

Eu quase tirei essa categoria da lista este ano porque está ficando cansativo “destacar” a ruindade da imprensa de games em geral. Além do risco disso me estereotipar, pode acabar gerando um efeito contrário, de pessoas começarem a enxergar a imprensa como “coitadinhos perseguidos” e acabarem “torcendo” por ela – algo ridículo em si, mas que acontece, como o caso “vencedor” dessa categoria demonstrou em 2021. Além do mais, a ruindade é tão grande que nem precisa ficar apontando e relembrando mais, todo mundo com dois neurônios já percebe. Mas eu resolvi manter a “honraria” por conta de dois casos que não são tão óbvios e talvez vocês tenham deixado passar batido.

O primeiro foi a babação em cima da demo-experiência The Matrix Awakens, tratada de cima a baixo como “um vislumbre do que será a geração” – e de forma positiva. O meu espanto nem foi pelas palmas ao aspecto técnico – o troço é visualmente impressionante mesmo – mas os artigos mencionarem coisas como baixo framerate (sequer mantém 30) ou interatividade mínima como se fossem detalhes descartáveis, e não justamente o contrário, os sinais claros de que Matrix Awakens deve ser tratado como exemplo do que não fazer, jamais. “Ah, é só uma demo”… Não interessa. Com o PS5 e o Series X, nós finalmente temos uma geração com 60 fps como padrão sem grandes sacrifícios visuais. Não há necessidade alguma da cidade ultrarrealista dessa demo nem de promover tecnologia da Epic Games feita para avançar sua ideia imbecil (e até perigosa) de “multiverso”. Em termos de jogo com visual hiper-realista, mais Returnal e Village, menos Matrix Awakens, por favor.

Mas o maior motivo de risada e demonstração de incompetência do ano foi a resenha da IGN de Shin Megami Tensei V. O tamanho do tropeço pode não estar claro para quem nunca jogou a série e/ou Persona, e por isso mesmo eu o escolhi aqui, para ter a chance de explicar a coisa usando de exemplo algo que todo mundo conhece melhor. Imaginem se a IGN soltasse uma resenha de The Last of Us dizendo que o jogo era “o irmão mais irritadiço e menos sociável de Uncharted“, que pecava por não ter escalada nem puzzles, ou que era “Uncharted sem coração/paixão”. Imaginem mais da metade da resenha não só comparando com Uncharted – isso tudo bem – mas fazendo esse tipo de comparação, daí para pior. Foi isso que muita gente não entendeu, e agora vocês sabem o quanto o ridículo da resenha passou de 9.000. Não interessa a nota final boa (8), não interessa se muita gente estava chegando a SMT agora depois de jogar Persona 5; nada disso é desculpa para escrever idiotice atrás de idiotice.

«««««««««««««««««««« 2021 »»»»»»»»»»»»»»»»»»»»

Momentos para guardar na memória

Ufa. Agora que já tiramos a parte periférica e por vezes chata do caminho, vamos ao que interessa de verdade: os jogos em si e as alegrias que eles nos dão. Eu já escrevi aqui que achei 2021 muito melhor do que dão crédito, até um dos melhores anos para games desde pelo menos 2011, tanto por preferências pessoais quanto pelo que ele representou. Foi um ano que desnudou ainda mais a decadência acelerada das expectativas AAA ocidentais e realçou como as coisas que mais importam, a jogabilidade e a criatividade, continuam vivas e crescendo em muitos estúdios que abrem mão do hiper-realismo e da vontade exagerada de querer parecer TV ou cinema. O resultado é que esta lista de momentos inesquecíveis só cresceu, com mais destaques a fazer do que em anos anteriores destas retrospectivas no blog.


> Música do ano

2021 teve uma boa quantidade de trilhas sonoras ótimas. Já começa que três séries que nunca decepcionam nesse campo deram as caras: Monster HunterPersonaShin Megami Tensei. E aí você teve Nier voltando também com um remake que não se acomodou em resgatar as músicas originais, e sim as rearranjou com composições novas no meio. Também tivemos Guardians of the Galaxy não só reproduzindo maravilhosamente bem a relação com música pop-rock que vimos nos filmes, como também criando uma banda de metal farofa fictícia apenas para a parte original da trilha. Isso tudo sem contar momentos isolados de brilho em outros jogos, em especial a fase inteira do Psy King em Psychonauts 2, uma cornucópia de rock psicodélico e visual onírico que casou perfeitamente.

Só que uma trilha abusou em dois sentidos e, não por acaso, é dela que vem a música do ano. Persona 5 Strikers parece um pouco de “trapaça” por resgatar algumas das canções mais inesquecíveis da história dos games, mas o pulo do Morgana são os arranjos delas. É como se tivessem sido regravadas pelo Rammstein, o que cabe nesse jogo mais de ação como uma luva. E ainda tem outro porém: as canções novas não só ficam no mesmo patamar, como em um caso ou outro até superam as originais. Maior prova disso: “Daredevil” como tema de “invasão de palácio”. Eu sinceramente não consigo dizer qual é a melhor, ela ou “Life Will Change” – ambas me fazem querer ficar horas naquele trecho do jogo quando começam. Ah, e a cantora Lyn berrando “STRIIIIIIKE!” no meio da música vai ficar na memória para sempre. Me arrepio só de lembrar.

Podem colocar a música aí no repeat enquanto continuam lendo, eu “agarantio” que será ótimo. Além disso, ela representa uma esperança futura depois da notícia que Shoji Meguro, o rei das trilhas da Atlus, saiu da empresa. Ele ainda vai trabalhar como freelancer em jogos futuros, mas mesmo que não esteja disponível em algum, saibam que “Daredevil” e as músicas novas de Strikers na verdade não são dele, e sim de outros compositores da Atlus e da Tecmo Koei. Ou seja: sim, Persona deve manter a qualidade de sempre nas trilhas, muito obrigado. Aleluia!


> Cena do ano

Seja por conta da narrativa, pela ideia, pela criatividade ou até pela cinematografia, certas cenas em jogos se tornam emblemáticas e inesquecíveis. Em 2021, um bom punhado das mais marcantes se destacaram pelo humor ou senso de diversão desgovernada, como o trecho com o carro alegórico em Forza Horizon 5 ou Star-Lord recuperando seu walkman em Guardians of the Galaxy (quem não tirou uma captura de tela desse momento digno de capa de disco de metal?). Outras foram pelo pleno absurdo da situação, como o concerto do Psi King para uma plateia de… bom, quem jogou Psychonauts 2 sabe, ou toda a abertura de No More Heroes III, desde o minianime Goddamn Super Hero até a revelação do vilão da história. Já drama… Ninguém realmente se destacou com isso em 2021. Nem mesmo os jogos doidos para parecerem filminho andam acertando nesse campo ultimamente, pelo menos não os que eu joguei.

E aí, a cena mais marcante mesmo foi a de introdução de uma das melhores personagens do ano: Nuwa, de Shin Megami Tensei V. A cena simplesmente evoca todo tipo de imaginário com edição e direção de câmera primorosas. Você tem o espanto inicial de ver dezenas de anjos assassinados, seguidos de ângulos quase fetichistas em uma personagem nova voluptuosa, e então a transformação dela em um chefe combinando todas as sensações de tensão, sensualidade e terror ao mesmo tempo… e a cena termina com ela dizendo “prepare to die”. É aí que você já sabe que ela será seu primeiro grande desafio no jogo – não à toa, Nuwa tem sido comparada com Matador em SMT III Nocturne. E o melhor é que, na verdade, a cena é meio que uma pista falsa, porque a personagem vai evoluir bastante depois para um caminho bem diferente do clichê de “vilã sedutora”. Tudo ali funciona perfeitamente, inclusive como propósito de jogo, algo que muitos diretores de cutscenes parecem esquecer que estão fazendo.


> Bizarrice do ano

A indústria de games em si sempre tem seus momentos bizarros todo ano, mas eu vou me concentrar aqui em bizarrices dentro dos jogos. Afinal, coisas já mencionadas como o estrago da ActiBlizz ou a fé cega das pessoas em Battlefield 2042 são difíceis de superar… Bom, teve todo o lance da Blue Box e o jogo-conspiração Abandoned, ou o leak da nVidia que entregou jogos e ports de basicamente todas as editoras, ou o desastre da GTA Trilogy… Tudo complemente inesperado e bizarro. Mas voltando aos jogos, duas coisas me marcaram demais em termos de estranheza. A primeira foi todo o design de inimigos e boa parte da narrativa de Scarlet Nexus, um jogo bom em si que acabou acima da carne seca graças a toda essa ousadia conceitual. Se você ainda não deu uma chance a ele, não vacile: foi a melhor coisa que a Bandai lançou este ano, fácil (sim, estou contando Tales of Arise).

Agora, o mais bizarro mesmo? Foi No More Heroes III existir e ser o que é. Desenvolvedores renomados voltarem a franquias queridas do seu passado não é algo tão incomum, mas isso acontecer com malucos como o Suda51 não é garantido, muito menos com franquias como No More Heroes. O melhor é que, ao resolver ter seu ataque de “nostalgia”, Suda foi Suda e chutou o balde com ideias mais fora da casinha do que nunca. Tudo já começou na revelação, com o minianime Goddamn Super Hero pegando todo mundo de calça curta, e aí depois veio o jogo… Quando descobrimos que aquilo não foi só uma peça de marketing e sim o setup da história mesmo, que agora põe Travis para assassinar alienígenas invasores. Eu ainda tenho que voltar a No More Heroes III para terminá-lo – quem mandou (re)jogar a série inteira antes e acabar cansando um pouco – mas o começo daquele jogo sozinho já é bizarro o bastante para garantir a escolha dele aqui.


> Trailer do ano

Falando em Goddamn Super Hero, vocês viram acima como o minianime foi usado para um dos anúncios de jogos mais fodas e surpreendentes, senão o mais, de 2020… E este ano acho que preciso começar a incluir esse tipo de coisa na retrospectiva. Na real, eu cheguei a assistir a um trailer no trabalho que era para estar aqui, mas por algum motivo acabou não sendo apresentado no Game Awards… E que, quando sair, vai explodir a cabeça de muita gente, mesmo que o jogo não seja do gênero delas (e nem meu, mas agora eu quero jogá-lo do mesmo jeito). Na falta dele, eu tenho que destacar o trailer do remake de Destroy All Humans! 2. Na hora, eu nem sabia que o trailer do primeiro remake também usou música do Rammstein, mas isso só deixa o segundo ainda mais divertido – e a edição ficou melhor dessa vez de qualquer forma. Se vocês ainda não viram, divirtam-se abaixo, e fiquem aí tentando imaginar como o tal outro trailer poderia ter sido ainda mais doideira, como veremos em 2022.


> Momento triste em jogos do ano

Talvez porque o ano não tenha tido muitos jogos metidos a “sérios” e a drama da HBO, não tivemos muitos momentos impactantes de tão tristes ou melancólicos em 2021. Pode ser simplesmente porque autores não conseguiram ser eficientes nisso, já que alguns jogos poderiam ter marcado muito com seus temas mais sérios. Afinal, nós tivemos The Medium abordando horrores pós-Segunda Guerra na Polônia, por exemplo. Ainda assim, alguns jogos improváveis chegaram perto. Outriders, por increça que parível, tem um período desesperançoso no final que faz você ter vontade de desistir de tudo. E acredite se quiser, Guardians of the Galaxy também tem um trecho de, vamos dizer, “desunião” que dói na alma pelo apego que você tem aos personagens àquela altura. Que dois jogos mais escrachados – o primeiro na jogabilidade, o segundo no roteiro mesmo – consigam emocionar mais que jogos “dramáticos” diz muita coisa.

Então eu vou ter que destacar dois casos especiais, um de um jogo de 2020 que só terminei (e duas vezes!) em 2021 e outro de um jogo inédito. Sem entregar spoilers, todo o 3º período de Persona 5 Royal é absurdamente melancólico. Quem conhece a série sabe que o final de Persona 3 – não, os dois meses finais inteiros – é uma das coisas mais tristes que já vimos em jogos, e Royal conseguiu finalmente repetir o feito, a ponto de dar dó confrontar o chefe final. Além dele, muita coisa de Psychonauts 2 também marcou mesmo em meio a todo o humor, tudo graças à reflexão que os diversos personagens idosos fazem sobre suas vidas. Em especial, todo o trecho de recuperar as memórias do Psy King é bonito, melancólico e esperançoso ao mesmo tempo, com uma elegência de escrita que não estamos acostumados a ver sequer na TV ou no cinema, quanto mais em jogos.


> Humor do ano

Se 2020 foi um ano de bastante humor negro, 2021 viu os jogos voltarem a sorrir e zoar mais uma vez. Três deles em especial garantiram as risadas altas no ano, cada um à sua própria maneira: No More Heroes III e suas loucuras insanas e referenciais, Guardians of the Galaxy com a dinâmica única e hilária do grupo, e Psychonauts 2 com o humor marca registrada da Double Fine, desta vez ainda mais elegante e refinado em meio a todas as partes mais agridoces e melancólicas da história do jogo. Também tivemos momentos isolados em outros jogos, como o humor mais ou menos involuntário e causado pelo jogador de Hitman III, o trecho com um carro alegórico de festival em Forza Horizon 5 ou as constantes alfinetadas típicas de casal velho entre Colt e Juliana em Deathloop. Isso sem contar as ocasionais trapalhadas de personagens jovens de jogos japoneses, como as turminhas de Scarlet Nexus e Persona 5 Strikers.

Agora, quer saber mesmo o que foi mais engraçado em 2021? Eu juro que não esperava, mas foi as conversas e negociações com demônios em Shin Megami Tensei V. Se você estiver pensando que é coisa de fã forçando a barra nos elogios ao jogo (e segura que vem mais abaixo!), vou apenas direcionar você ao canal Life Will Change. Abram a playlist do jogo e vejam a quantidade de vídeos com exemplos de conversas ali. E olha que essas são apenas as mais, hã, sugestivas, como a do vídeo acima. Há diversas outras apenas engraçadas mesmo, além de momentos especiais que ocorrem quando dois demônios específicos se encontram. Aí tem de tudo: quebra de quarta parede entre Hydra e Cerberus em referência ao papel de destaque dele lá atrás, no primeiríssimo SMT; Hydra agora discutindo com Yamata-no-Orochi sobre quem é a cobra mitológica mais forte; ou Cait Sith chamando Nekomata para um encontro com um final hilário. Pode até ser que as piadas de Psychonauts 2 sejam mais elaboradas, mas o puro absurdo inesperado de SMT V ganha para mim, ainda mais por servir de respiro bem-vindo em um jogo com um cenário tão pesado e uma jogabilidade bem mais tensa.


> Pura alegria do ano

2021 também teve muita alegria em jogos, de todos os tipos. Uma parte feliz do ano foi simplesmente ver certos jogos sequer existirem, como No More Heroes III ou o retorno triunfal de Metroid com Dread (embora o jogo em si não seja “alegre”, como o próprio nome já diz). Nesse mesmo campo, Psychonauts 2 também foi alegre em si, a despeito dos assuntos mais sérios e momentos mais melancólicos aqui e ali; para além do humor, foi um jogo de plataforma divertido e criativo como poucos que oferece aquele puro prazer de explorar e avançar. Monster Hunter Rise também foi pura alegria de jogabilidade com os novos recursos dos Palamutes e dos Wirebugs, um prazer a cada nova missão ou monstro. Por fim, tivemos a dose dupla de alegria de Guardians of the Galaxy: o escracho intergaláctico do jogo em si e a felicidade de ver o grupo de heróis tão bem tratado em jogos, melhor até do que nos excelentes filmes.

Agora, alegria, alegria mesmo para este velho fã da Atlus foi Persona 5 Strikers, em vários níveis. Já começa que era um spin-off de ação da série, algo que não víamos desde os jogos do Raidou em SMT lá na era PS2. Também teve a surpresa gigante dele ser essencialmente Persona 5-2, algo que spin-offs não costumam fazer, ainda mais um musou. Depois ainda tivemos a alegria suprema da história ser muito boa, digna dos melhores momentos da série principal. E acima de tudo… a possibilidade de voltarmos a interagir com uma turminha tão querida, e ainda por cima com cada um deles jogável. Poucas coisas me fizeram sorrir tanto em 2021 quanto descobrir como cada Phantom Thief tinha um estilo de luta tão distinto e divertido. Como bônus, tivemos também a já mencionada trilha sonora, um raro novo usuário de Persona adulto, momentos hilários como a “invasão” de Jack Frosts… Enfim, Strikers foi pura alegria do começo ao fim. Ah, e vai ser um dos jogos da Plus no mês que vem!


> Superação do ano

Eu não acho que todo jogo tenha que ser desafiante, mas eu gosto de destacar aqueles que se propõem a ser e conseguem isso de forma primorosa, equilibrada e justa. Essa é uma das características mais distintas dos jogos em comparação com outras mídias, afinal, e jogos-“experiência” jamais deveriam se tornar a regra, no máximo uma entre diversas possibilidades. Em 2021, graças aos céus, tivemos um bom punhado de jogos que não esquecem do desafio. Por exemplo, os chefes de Scarlet Nexus acabaram dando um trabalho até um pouquinho acima do que eu esperava, assim como alguns dos inimigos comuns. O mesmo ocorreu com os EMMIs e os chefes de Metroid Dread, também um pouquinho mais desafiadores do que imaginava. Entre os relançamentos, SMT III Nocturne HD é aquilo que vocês já sabem – Matador e outros inclusos – e jogar o New Game+ em Persona 5 Royal me mostrou as agruras de tentar vencer o Reaper e as gêmeas do Velvet Room, embora ambos possam ser bem “queijados” com os Personas certos.

Agora, dois jogos superaram com folga todo o resto no quesito desafio. O primeiro foi Returnal, que ainda não consegui terminar. Nem é pela natureza roguelite do jogo, embora isso também não ajude; alguns encontros e especialmente os minichefes são mesmo bem exigentes. Assim como Dark Souls, é daqueles jogos em que você precisa preservar a memória muscular jogando e praticando regularmente se quiser progredir. O outro foi Shin Megami Tensei V, que até nem foi tão difícil na campanha normal quanto Nocturne, mas compensou com sobras oferecendo os dois chefes mais casca-grossa de qualquer jogo em anos: o superboss perto do final (sem spoilers!) e o Demi-fiend no DLC Return of the True Demon. Cara, o Demi-fiend. Assim como Alatreon e Fatalis em Monster Hunter World, você topava com diversos streams de horas e horas totalmente dedicados a tentar vencer o Demi-fiend quando o jogo saiu. Descobrir as mecânicas dele e testar estratégias foi um esforço comunitário, como todo bom chefe/superboss especial deve ser.

«««««««««««««««««««« 2021 »»»»»»»»»»»»»»»»»»»»

Mais prêmios para os jogos que tanto amamos

Querem mais coisas legais sobre jogos em 2021? Então toma! Abaixo vem uma coleção de “minicategorias” especiais, o tipo de coisa que talvez vocês vejam em uma premiação famosa ou outra por aí, mas que não é exatamente padrão. É onde eu destaco aspectos como atuação, personagens, arco de missões e outros detalhes nos quais alguns jogos podem ter ficado acima da média. Todo ano inclusive eu “invento” alguma “minicategoria” nova de acordo com a necessidade, e em 2021 terei pelo menos três invencionices dessas – a primeira provavelmente chegando para ficar…


> Ocidentalice do ano

2021 praticamente me obrigou a criar uma nova categoria especial: as besteiras que jogos ocidentais adoram fazer para destruir suas chances de serem bons, em vez de aprenderem com os melhores jogos japoneses atuais. Pode ser desde prática mercenária de mercado ou jogo ultrabugado até furo de roteiro ou design pobre de ação/combate, e em geral anda aparecendo mais em jogos americanos do que europeus. Você tem coisas como a insistência em transformar o que não se deve em live service, projetar jogos AAA inteiros como máquinas de microtransação (em vez de manter isso nos celulares), reduzir jogabilidade a praticamente zero em nome de uma suposta “acessibilidade” (o que chega a ser uma ofensa a pessoas com deficiência, na verdade), achar que “passar mensagem” torna seu roteiro automaticamente bom, e assim por diante.

É uma pena que eu tenha resolvido iniciar essa categoria só agora porque, na real, eu vou “premiar” um jogo europeu desta vez, após diversos anos em que com certeza a “honra” iria a coisas americanésimas como Marvel’s Avengers, Fallout 76 ou a cena do taco de golfe em The Last of Us Part II. Em 2021, o mais absolutamente ridículo foi o medo extremo, gigantesco, paralisante dos desenvolvedores de The Medium de que um jogadorzinho sequer ficasse “travado” no jogo por mais do que 5 segundos. Como eu comentei na resenha final dele, os quebra-cabeças e a jogabilidade são tão, mas tão simplérrimos que fazem jogos educativos para crianças de 7 anos parecerem The Witness. O trecho final de The Medium, o único que combina um pouco de noção de espaço, não-linearidade e um quebra-cabeças para maiores de 10 anos, seria descartado como primeira fase de qualquer Silent Hill ou Resident Evil, mesmo os mais recentes. Aí fica difícil…


> Melhor atuação

Como ano revelatório que foi, 2021 garantiu que praticamente nenhuma das melhores atuações aparecesse em um personagem com cara de pessoa “de verdade”. O mais próximo disso foi Maggie Robertson como Lady Dimitrescu em Resident Evil Village, mas o lance do trabalho dela foi ter conseguido dar tanta personalidade a uma vampira de 3 metros de altura que se transforma em… outra coisa depois, e aí o fato do jogo ter visual hiper-realista não fez diferença alguma. Tivemos também os atores de Colt e Juliana em Deathloop, um jogo que até tem captura facial e sincronia labial, mas não é exatamente fotorrealista. De resto, o ano foi repleto de gente capaz de usar apenas a voz para dar vida a personagens desenhados, a ponto de vários ofuscarem até um ator famoso como Giancarlo Esposito, que não mostrou 1/3 do seu talento em Far Cry 6 e não serviu para nada além de marketing ali – todos os outros vilões anteriores da série, sem exceção, foram melhores e mais marcantes.

Em um ano como esse, a Atlus/Sega só se destacou mais ainda com seu cuidado usual na dublagem e localização. A imensa maioria das melhores atuações do ano surgiu em jogos das duas empresas, como nos elencos de Lost Judgment, Shin Megami Tensei V (em especial os de Ichiro Dazai, Aogami, Amanozako e todas as divindades centrais da narrativa) e, claro, o de Persona 5 Strikers. O impressionante desse último caso é que todos os personagens novos ganharam atuações tão boas quanto os originais que retornavam, em especial Tom Taylorson como Zenkichi, um dos melhores personagens do ano no geral. Mas sabem quem conseguiu se superar? O veterano Matt Mercer como Yusuke. Eu nunca fui tão fã do estudante de arte quanto de outros integrantes da turminha, mas em Strikers, em vários momentos eu genuinamente me emocionei com Yusuke – e grande parte disso foi Mercer notar a força do roteiro e botar seu coração para fora nesses momentos especiais. Aí, Atlus/Sega: tá na hora de escalar Mercer e Taylorson como protagonistas em algum jogo, hein?


> Colecionável do ano

Em 2020, eu resolvi destacar aqui uma coleção de minigames do ano graças a Assassin’s Creed: Valhalla, que conseguiu a proeza de incluir uma série de atividades simples e divertidas de fazer que só enriqueceram ainda mais o cenário. Este ano, a bola da vez é outra surpresa muito maior. A Atlus, em seu primeiríssimo jogo com mapas 3D abertos, conseguiu deixar absolutamente todos os jogos de mundo aberto já criados, e vários outros ainda por vir, comendo poeira em um aspecto bem específico: um “item” colecionável. Uso aspas porque os Mimans na verdade são minidemônios/servos espalhados pelas zonas de Shin Megami Tensei V e deveriam servir como master class eterna de como criar qualquer colecionável de jogo a partir de agora. Duvida? Então veja essa lista de características deles e tente me apresentar outro caso que seja remotamente tão bom em design quanto eles:

  • Facilidade de encontrar: Moderada/equilibrada. 80%-90% dos Mimans estão em locais simples ou lógicos, como atrás da pilha de destroços com a qual você acabou de topar ou em uma clareira no minimapa sem nenhum outro ícone (missão, baú, inimigo etc.).
  • Incentivo à exploração: Os outros 10%-20% de Minans estão em locais mais complicados, que exigem dar volta em outra área adjacente, subir em algum lugar, saltar em uma série de “degraus” improvisados, cair em um buraco entre edifícios etc. São eles que farão você perceber que SMT V tem mais de jogabilidade de plataforma do que você esperava.
  • Recompensas em curto prazo: Todo Miman encontrado concede imediatamente 5 ou mais de Glory, a moeda usada para comprar Milagres – o equivalente no jogo aos apps de Shin Megami Tensei anteriores, que concedem diversas vantagens ao protagonista e são essenciais na progressão.
  • Recompensas em médio prazo: A cada 5 Mimans encontrados, você pode voltar a Gustav, o dono da loja, e receber um conjunto de itens úteis, como de cura, gemas de ataque ou defesa, a essência de um demônio, um talismã que desbloqueia a habilidade de Magatsuhi de uma raça etc.
  • Recompensas em longo prazo: Não há uma recompensa extra ao encontrar todos os 200 Mimans, mas as que são encontradas a cada grupo de 5 sobem de valor exponencialmente no processo. A última recompensa vale ouro: um conjunto generoso de Balms, itens que aumentam os atributos do protagonista e são bem raros no jogo.
  • Sistema antifrustração: “São DUZENTOS Mimans?! Estou com PTSD de Assassin’s CreedBreath of the Wild agora!!!” Não tema: enquanto outros jogos de mundo aberto “resolvem” isso vendendo um mapa à parte como DLC, SMT V te oferece isso dentro do jogo mesmo. Ao final de cada mapa, você pode encontrar um demônio específico que vende a localização de todos os Mimans naquele mapa por Macca. Não é barato, mas também não inviável; mesmo na primeira jogada, eu sempre tinha dinheiro suficiente para pagar o custo sem precisar ir “farmar”.
  • Utilidade narrativa e temática: E como se os Mimans já não fossem perfeitos, aí vem o pulo da Nekomata: encontrá-los pode ser útil para a imersão e até para o combate. Cada um tem falas personalizadas – sim, todos os 200 – e embora alguns apenas façam brincadeiras com a situação deles, outros contam trivias sobre aquela parte de Tóquio, outros dão dicas de como chegar a outros Mimans, e alguns até revelam mais sobre o Nahobino ou inimigos que você vai encontrar adiante. São o oposto completo de, digamos, pombos que você pega e esquece porque só contribuíram para o número total.

> Arco narrativo/de missões do ano

Embora eu tenha gostado de diversas histórias este ano, em geral elas foram boas de uma maneira consistente, sem esta ou aquela missão ou arco se destacando muito mais do que o resto. E para este tópico eu também considero jogabilidade, não apenas narrativas. As exceções acabaram pendendo mais para um aspecto ou outro, como o roteiro absolutamente primoroso do arco do Ford Cruller in Psychonauts 2 ou o clima geral meio Sherlock Holmes da fase da mansão em Hitman III. Também vale destacar a segunda área de Resident Evil Village – a da casa das bonecas, quem jogou sabe o porquê – e todo o lance envolvendo uma “caçada” em Guardians of the Galaxy (voltamos a esse assunto na categoria Chefes!).

O que marcou mesmo nesse campo foram arcos de um relançamento clássico e de outro jogo que só terminei em 2021. O segundo caso foi o já citado 3º período de Persona 5 Royal, uma aula de roteiro e desenvolvimento dos personagens novos que também subiu as apostas na jogabilidade e no nível dos inimigos. O primeiro foi uma das missões mais emblemáticas da história dos jogos: Suicide Mission na Mass Effect Legendary Edition. Precisa explicar o porquê? Vocês sabem. Só que eu tenho que escolher algo inédito, e aí entra outra grande surpresa de Shin Megami Tensei V: o arco de missões com Miyazu e seu “parceiro” inesperado (sem spoilers!) lá no final do jogo. Esse trecho é mais emocionante do que você esperaria de um SMT, e passa uma sensação de “prêmio” por insistir em explorar tudo no jogo, já que parte do arco pode ser perdida se você deixar de voltar a áreas anteriores e/ou não fazer escolhas mais “humanas” em missões do meio, por assim dizer. Ainda por cima, é necessário para o final verdadeiro secreto e casa perfeitamente com os temas dele.


> Chefe do ano

Boa parte do trecho sobre Superação, de destacar desafio em jogos, foi sobre chefes de 2021, então todos eles merecem ser lembrados aqui de novo – sejam os EMMIs e outros de Metroid Dread, os de Scarlet Nexus ou os dos dois Shin Megami Tensei do ano. Mas não é  o desafio que faz um chefe, então… Embora eu ainda ache que superboss opcional e o Demi-fiend de SMT V sejam insuperáveis, eu vou aproveitar a chance para destacar outro que não foi nem de longe tão difícil – na verdade, foi mais fácil do que deveria ser, pelo menos no Normal – mas que vai ficar na memória pela surpresa, pelo espetáculo e pela forma absolutamente genial em que ele foi inserido na história: [Fing Fang Foom] em Guardians of the Galaxy.

Talvez vocês já saibam de quem se trata por ele ter sido mencionado em diversos artigos sobre as referências e easter eggs menos óbvios do jogo, mas só para garantir, eu prefiro não dizer o nome abertamente. Se você ainda não jogou Guardians e conhece alguma coisa dos quadrinhos mais “cósmicos” da Marvel, especialmente dos anos 80-90, é melhor descobrir a presença dele por conta própria. Para quem jogou, eu também tenho que dizer que [não acreditei como os desenvolvedores tiveram o desplante de mencionar Foom de passagem no começo, fazendo você pensar que era só um easter egg engraçadinho, apenas para muuuuito depois, já perto do final, os Guardiões sugerirem a sério caçá-lo]. Foi uma sacada simplesmente genial de roteiro, de brincar com as expectativas do público mais arraigado dos quadrinhos e depois entregar algo que nenhum deles esperava. Parabéns, Eidos Montreal, mil parabéns. Vocês levam também o prêmio “sacanas queridos do ano” depois dessa…


> Vilão do ano

Os jogos de 2021 em geral não tiveram tantos vilões marcantes assim, preferindo apostar mais na seriedade da situação narrativa ou “dividindo” o “trabalho” vilanesco entre mais de um personagem. Um bom exemplo de ambas as coisas foi Shin Megami Tensei V, que teve diversos demônios interessantes como antagonistas em um ponto ou outro – Odin, Khonsu, Zeus, Abdiel e o Senhor do Caos em pessoa vêm à mente. Maligula em Psychonauts 2 também foi mais uma representação de um passado que precisa ser superado do que uma vilã marcante em si mesma, assim como Raven Beak em Metroid Dread. Não à toa, os dois antagonistas que mais me marcaram em 2021 foram de jogos anteriores: vocês-sabem-quem em Persona 5 Royal – talvez o “vilão” mais carismático e difícil de sequer querer derrotar em toda a história dos jogos – e Khrishna em Shin Megami Tensei IV Apocalypse, ainda mais se você considerar seu “lacaio” Shesha como parte do pacote.

Como eu tenho que escolher alguma coisa inédita, vou primeiro de Fu em No More Heroes III, com sua personalidade absolutamente caótica que consegue sozinha transformar um design que parece um palhaço intergaláctico em um antagonista que você não vê a hora de derrotar (man, eu preciso voltar a esse jogo…). O outro caso, e talvez o melhor, foi [Ichinose] em Persona 5 Strikers, no mínimo pela… peculiaridade de sua personalidade revelada no final. Quando a pessoa aparece no jogo, você sabe que ela é mais do que aparenta ser, mas mesmo assim o papel dessa pessoa em toda a história acaba sendo ainda maior, e sua justificativa para fazer o que fez é algo que não lembro de ter visto em trama alguma, seja de jogos ou não. Ainda por cima, assim como vocês-sabem-quem em Royal, a pessoa não é exatamente , e tem sua redenção no final de Strikers. Cara, Persona está matando a pau ultimamente com antagonistas… Chega a não ter graça para os outros jogos mais.


> Casais do ano

Mas hein? Como assim, “casais”? Bom, antes de mais nada… Quem leu meu artigo Guia para Iniciantes em Shin Megami Tensei talvez lembre que, lá no final, eu disse que a série “não tinha waifus, a não ser que você curta umas súcubos”. Só que aí veio Shin Megami Tensei V e quebrou minhas pernas em dois níveis. O mais óbvio foi a boa quantidade de personagens femininas que dominaram os memes e os corações dos fãs da série, começando com a já citada Nuwa e passando por Amanozako, Miyazu, Artemis, Cleopatra e especialmente Idun. O curioso é que, tirando a óbvia exceção Cleopatra, essas personagens conquistaram muito mais pela personalidade e/ou utilidade em batalha, não só pela aparência – tanto que Tao, uma das principais NPCs e a suposta estudante-modelo, bonita e popular, passou meio batido.

Agora, outro fator que pode ter pesado é que algumas dessas personagens foram metade de uma série de casais porreta como raramente vimos em jogos ou mesmo outros campos de ficção. Por “casal porreta” eu quero dizer power couples, parceiros feitos um para o outro, não necessariamente casais românticos tradicionais – até porque, pelo menos no que vemos no jogo, nenhum deles realmente parece ter relações comuns de namoro. Amanozako e o protagonista Nahobino, Miyazu e alguém (não posso spoilar) e especialmente Nuwa e Yakumo roubam a cena em seus momentos como “casais”, facilmente entregando algumas das partes mais cativantes do roteiro do jogo, tudo sem nenhuma gota de melodrama ou mesmo da fofice de um Persona. São “apenas” casais fodas que você nunca quer ver se separarem, estejam eles catando juntos um bando de itens pelo mapa, compreendendo a “raça” um do outro ou estraçalhando anjos e demônios para construir um mundo novo para a humanidade.


> Personagem do ano

Para encerrar os trabalhos, uma minicategoria “tradicional” em que 2021 simplesmente matou a pau. Não, sério, pensem bem. Até jogos que ficarão longe do topo da minha lista pessoal tiveram personagens bem marcantes, como Colt e Juliana em Deathloop, Iron Mask e Shionne em Tales of Arise (clichês tsundere à parte), Marianne em The Medium ou Jakub e Tiago em Outriders. Aí você passa para casos ótimos em jogos melhores, como Kayna em Monster Hunter Stories 2, a protagonista Selene em Returnal ou Sophia em Persona 5 Strikers. Subam mais um patamar e temos diversos outros já mencionados neste artigo, como Lady Dimitrescu em Resident Evil Village, que provou ser muito mais do que um mero fetiche pra gente doente do Twitter, e Nuwa em Shin Megami Tensei V, mais complexa do que todos os outros diversos demônios e NPCs do jogo. Também teve Guardians of the Galaxy, onde cada personagem, sem exceção, é memorável… E se for para destacar alguém, eu vou de Drax, Nikki e especialmente Mantis. Sério, essa versão dela deixa a do cinema no chinelo, e olha que lá ela rouba o segundo filme com Drax.

Para dizer que eu escolhi um, eu vou de Zenkichi Hasegawa em Persona 5 Strikers, incluindo no pacote uma personagem diretamente associada que não vou mencionar para preservar um dos pequenos mistérios do começo do jogo (para quem Zenkichi liga tanto?). O desenvolvimento dele e sua relação como personagem mais velho com os Phantom Thieves é simplesmente sensacional, e ainda por cima ele recebeu uma das duas melhores atuações do ano inteiro. Se você for um pouco mais velho como eu, vai se envolver ainda mais com Zenkichi, já que ele serve meio que involuntariamente como “inserção” do jogador na turminha do barulho, um exemplo de como pessoas de idades tão díspares podem dividir ideais ou convicções e ensinarem algo uns aos outros. Ele é, ao mesmo tempo, mais um alívio cômico e a voz da experiência, e mesmo assim em nenhum momento soa deslocado ou inverossímil. E como se fosse pouco, nos reserva uma surpresa muito bem-vinda para a série perto do final.

«««««««««««««««««««« 2021 »»»»»»»»»»»»»»»»»»»»

Que 2022 seja metade do que 2021 foi!

Ufa. Escrever isso tudo me tomou pedaços de quatro dias separados, então se você chegou até aqui… Muito obrigado, isso só faz o trabalho valer ainda mais a pena! Agora é aproveitar os poucos dias livres que ainda restam na semana para tentar terminar mais jogos e fechar a lista das 10 (talvez 15?) obras que mais gostei em 2021. E logo na sequência a coisa não para: já em janeiro temos o lançamento de Monster Hunter Rise no PC, e depois um fevereiro absolutamente recheado de altas expectativas – para mim, MonarkSifu e, claro, Elden Ring. E 2022 também será um ano inteiro de anúncios do 25º aniversário de Persona, com Arena Ultimax chegando já em março e sabe-se lá o que mais depois; há boatos até de um remake de Persona 3, mas com a Atlus ainda sendo uma empresa relativamente menor, eu não contaria com isso.

Ao mesmo tempo, como Monster Hunter deve voltar “só” com uma expansão linha IceborneShin Megami Tensei não deve ganhar nada além de um port do quinto jogo para o PC, vai ser difícil 2022 se igualar a 2021. Como já escrevi aqui, eu inclusive acho que sequências aguardadíssimas pelo público mainstream ocidental não devem marcar tanto quanto os originais. Coisas como o God of War de 2018 e Horizon: Zero Dawn me parecem mais um golpe momentâneo de genialidade, um raio que não vai cair exatamente no mesmo lugar de novo. Outros casos podem até mesmo decepcionar, como Tiny Tina’s Wonderlands ou Forspoken. Também não vou me surpreender se Suicide Squad vs. the Justice League acabar não correspondendo 100% a todo o enorme hype. Cara, até com Elden Ring eu tenho uma pequena desconfiança de que o mundo aberto não vai contribuir com nada de realmente significativo além das vistas, mais ou menos como rolou na série Batman Arkham. O jogo ter cara de mais Dark Souls com novidades pinçadas de SekiroBloodborne e até de jogos como Dragon’s Dogma me parece algo muito mais significativo.

Ainda assim, o ano tem coisas que podem ser boas surpresas, como a seriedade cômica de Stranger in Paradise: Final Fantasy Origins, a promessa de um Final Fantasy XVI solo com a qualidade do MMO, uma versão expandida de XCOM em Marvel’s Midnight Suns, a bizarrice felina de Stray, o retorno de Mario + Rabbids, o potencial de The Callisto Protocol nas mãos do criador de Dead Space, o deslumbrante visual “2D HD” de Triangle Strategy (assumindo que também terá o mesmo cuidado retrô na jogabilidade que Octopath Traveler teve), Kirby migrando também para fases 3D abertas a la Mario Odyssey em The Forgotten Land… E vai que milagres acontecem e StarfieldGhostwire Tokyo entregam tudo que prometem mesmo com os constantes atrasos e trocas de direção (ou de dono, no caso da Bethesda). Fica aqui a torcida para as óbvias bombas de 2022 se restringirem ao reboot de Saints Row e a Redfall. Daqui a 12 meses saberemos!