Assim que as conferências da E3 acabaram e o trabalho permitiu, mergulhei em um punhado de jogos como se não houvesse amanhã. De indies no Nintendo Switch a clássicos do primeiro PlayStation e por fim tirando proveito do novo serviço Game Pass no PC, acabei não terminando nada além de um jogo, mas não pretendo parar nos outros tão cedo. Quero terminar pelo menos alguns antes de mergulhar em outras coisas pós-E3, como o novo DLC de Borderlands 2 de “ponte” para o terceiro jogo… Embora isso possa esperar até chegarmos mais perto do lançamento. Sem mais delongas, vamos ao que ando jogando:
Devolver e Switch, uma combinação irresistível
Os jogos da Devolver às vezes podem ser meio sanguinolentos demais para a imagem “família” da Nintendo, mas indies caem bem demais no Switch e a melhor garantia de qualidade para jogos indies é conseguir ser publicado pela Devolver, então… O círculo de must buy assim se fecha. Entre eles, terminei Gato Roboto, o “Miautroid” já elogiado aqui, e deu vontade imediata de começá-lo de novo naquele mesmo momento. Demorei cerca de 5 horas para conseguir 81% de conclusão, enquanto alguns juram que dá para fazer 100% em menos de 4 horas, o que quer dizer que… Ou a idade chegou forte aqui, ou o pessoal corre demais, ou as duas coisas (minha aposta, sendo honesto).
Vale acrescentar aqui algumas coisas ao artigo anterior. Primeiro, por mais que pareça curto, é por isso que o custo do jogo é mais baixo que o normal dos indies atuais, e vale cada centavo. Segundo, embora seja um Metroid, Gato Roboto tem menos backtracking (voltar a áreas anteriores) do que se esperaria: você pode muito bem só seguir em frente, de forma quase linear, voltando apenas ao hub principal para resolver cada nova área, mas vai passar ainda mais longe dos 100% do que eu (achei 11 dos 14 cartuchos, por exemplo). Terceiro, o jogo em si é relativamente tranquilo, quase beirando o fácil demais para quem está acostumado com Metroids… Exceto em uma coisa: os chefes (os roedores em especial). Esses podem fazer você ranger os dentes nas primeiras duas ou três vezes, mas com um pouco de prática você chega lá; eles estão naquele ponto perfeito de “pô, tá osso, só mais uma tentativa, ops, consegui!” que nem todo jogo 2D consegue alcançar.
Só não voltei a ele porque achei que era hora de pular para outro indie de 2019 que estava enrolando para iniciar desde o lançamento, Katana Zero. A princípio, ele parecia “apenas” uma reinterpretação 2D lateral de Hotline Miami com cenário e protagonistas diferentes: um assassino samurai em um ambiente cyberpunk meio nebuloso. Você navega por edifícios e telhados tentando matar todo mundo na fase sem sofrer um único golpe ou tiro que seja, voltando de imediato ao início se isso acontecer. Junte uma estética sangrenta, meio anos 80 reimaginados, a uma trilha sonora tecno-retrô e até transições de fase imitando menus e rebobinação de videocassete… e a influência de Hotline Miami fica clara. Só que o jogo se esforça para ir além e surpreender em outras áreas.
Para começar, a história aqui não é tão vaga e nebulosa e é tratada de maneira mais “tradicional”, até certo ponto. Há diálogos com escolhas (inclusive com barra de tempo, linha jogo da Telltale), uma sequência de eventos mais compreensível e linear (embora não totalmente), e a sensação de que a cada fase ou duas você vai descobrindo sim mais coisas sobre o que está acontecendo, em vez de apenas viver um sonho febril. O cenário cyberpunk não é à toa, já que a história envolve drogas, tecnologia avançada, poderes psíquicos e consequências sociais de uma guerra violenta. E há uma expectativa até o final, já que entre cada fase vemos uma auspiciosa tela “X dias restantes”… Estou chegando lá e já faço uma ideia do que a essa tela se refere, mas vamos ver o que a conclusão da história nos reserva.
Além de tudo isso, as habilidades do samurai, que incluem uma rolagem de esquiva, desacelerar o tempo e defletir balas com a espada, dão outro gosto para o combate e complementam a história. Até a tal rebobinação de videocassete tem uma explicação no cenário, atrelada ao fato de voltar ao início quando você falha – na verdade, seu samurai está “prevendo” o que vai dar certo ou não. Após cada área bem-sucedida, você ganha um replay do resultado final sem as manipulações temporais, de forma bem semelhante a Superhot. E é aí que eu percebo… Jogo com inspirações de Hotline Miami e Superhot + narrativa elaborada e mecânicas e cara próprias? Isso foi feito sob medida pra mim, foi? Quando a gente começa a votar nos Melhores de 2019 mesmo?
“Classicando” nos RPGs com o botão direcional
Se você é daqueles que acreditou que a animação com o PlayStation Classic ia passar rápido, sinto informar que não vai acontecer tão cedo. Mesmo com todas as novidades, ele ainda está ligado aqui, e não devo largar dois jogos dele até terminá-los. O primeiro, claro, é Revelations: Persona. Vocês sabem que eu sou fã da série e ainda não concluí nenhum dos jogos pré-Persona 3, então resolvi começar do início, apesar de alguns pesares aqui e ali. Por exemplo, a movimentação é meio esquisita com o d-pad – não que seria melhor com uma alavanca moderna, e sim porque a visão do jogo é isométrica, com o chão dividido em quadradinhos diagonais, mas ainda usando as quatro direções tradicionais. Ou seja, para mover para a diagonal baixo-direita, você aperta o d-pad para baixo, e assim por diante. Com o tempo você se acostuma, mas é uma boa demonstração de como desenvolvedoras ainda estavam tentando se achar nas novas possibilidades do PS1 original.
Outra coisa engraçada no início mas que dói um pouco com o tempo é a tradução para o inglês. Não desce tanto a um nível “all your base are belong to us”, mas sobram erros de ortografia, e aí é difícil não se perguntar se alguma coisa foi mutilada do original. Ainda assim, a história é bem envolvente e surpreendentemente complexa para os padrões da época: uma corporação criou uma máquina capaz de abrir portais entre dimensões paralelas e, como se trata de um Persona, isso fez demônios de todo tipo invadirem uma cidadezinha, em especial uma escola. Alunos dela passam a invocar aspectos de suas personalidades como entidades capazes de enfrentar os demônios, e uma série de reviravoltas vão desvendando a natureza das realidades paralelas e o comportamento estranho de várias pessoas após a ruptura.
Quanto ao combate, ele é mais parecido com o dos primeiros Shin Megami Tensei do que o dos Persona posteriores, incluindo até a negociação com os demônios em combate para obtê-los – algo que nos Persona modernos só voltaria no quinto jogo. Aqui você não ganha o demônio em si para já colocar na party, e sim uma carta de tarô para usar em fusão de personas depois. Ah, e outra surpresa: todos os membros da party podem trocar de personas, ao contrário de Persona 3 em diante, quando só o protagonista é “especial” o bastante para fazer isso. De resto, os elementos gerais são bem conhecidos para quem jogou Persona 5: escolhas de menu entre ataques com armas brancas, de fogo ou as “magias” de seus personas, todas atreladas a elementos contra os quais alvos podem ser fracos, fortes, imunes etc. E a bizarrice no design dos inimigos já estava lá, como a foto acima demonstra: três privadas com meninos dentro e duas bolas de basquete comandadas por atletas invisíveis…
Mudando de jogo, a excelente apresentação do Remake de Final Fantasy VII na E3 me deixou coçando e não consegui resistir, iniciando o jogo original antes de terminar Revelations: Persona como pretendia. Não há muito o que dizer sobre ele – todos vocês já o conhecem bem até demais, né – mas vale avisar que eu sempre tive uma bronca com certos aspectos da trama desse Final Fantasy desde que tentei jogá-lo pela primeira vez, em especial toda a baboseira ecoterrorista, típica dos anos 90. Tentando de novo agora com ciência total desse lado ultraclichê, noto que o jogo se concentra muito mais nos personagens e no mistério do que é a energia mako no planeta, o que deixa a narrativa bem mais agradável. Ainda acho a representação da Shinra como corporação “superdumal” bem binária, mas o tratamento dos outros personagens é bem mais elaborado do que se imaginaria possível com tão pouco espaço para texto na tela. Ah, e a direção de câmera é sensacional até para os padrões de hoje, incluindo transições incríveis in-engine entre flashbacks e tempo presente que não se vê nem em jogos modernos.
Usando o Netflix da Microsoft no PC para descobrir uma pérola
Como avisei aqui no artigo sobre a conferência da Microsoft na E3, eu assinei o Game Pass versão PC quase na mesma hora. Já aproveitei promoções linha “um mês por R$ 1” umas duas vezes no Xbox One, mas na prática sempre acabava baixando um jogo ou outro e esquecendo deles até a assinatura expirar, já que quase não ligo o console mais. No PC a história é diferente, e como ainda não tenho diversos jogos da biblioteca do Game Pass que me interessam, por R$ 14 ao mês, parece um ótimo negócio. E tirando as chateações com a Windows Store/o novo Xbox app/o Windows em si, é isso mesmo.
Junto com o serviço, a Microsoft lançou um novo aplicativo dedicado para o Game Pass, chamado apenas de “Xbox (Beta)” (não confundir com o Xbox Console Companion que já existia), para gerenciar seus jogos instalados, sejam eles disponíveis pelo serviço ou adquiridos diretamente na Windows Store. O aplicativo funciona bem melhor do que a Store como um organizador e ponto de partida para iniciar os jogos, mas não esperem recursos semelhantes aos do Steam direto nele; na prática, coisas como bate-papo, captura de telas/vídeos e afins são gerenciadas pela Barra de Jogos do Windows, que também foi atualizada e expandida. Ah, e espero que sua instalação do Windows 10 esteja tinindo, porque aqui bastou algum erro geral de permissões para que alguns jogos não fossem instalados nem por decreto, e só consegui resolver de vez restaurando o sistema operacional todo.
Problemas do Windows superados, reinstalei imediatamente a edição completa de Forza Horizon 4 para conferir a expansão Lego Speed Champions, e o resultado vocês já puderam conferir no artigo anterior. Depois chegou a hora de conferir os tais jogos do Game Pass que me deixaram curioso, e de cara instalei Into the Breach, Vampyr, Void Bastards e Mutant Year Zero: Road to Eden, um dos que tinha baixado no Xbox One mas nunca chegado a abrir, e acabou sendo o primeiro que conferi aqui. Comecei a jogar no sábado passado e fiquei o resto do fim de semana nele, sem abrir qualquer outro jogo.
O conceito dele era intrigante, mas tinha minhas dúvidas se podia dar certo: um jogo de aventura/RPG leve que usa combate tático a la XCOM moderno (a partir de Enemy Unknown) como base. Se você me forçar a escolher meu jogo de estratégia preferido da atualidade, com certeza será esses XCOMs, então a coisa toda já era promissora… Mas ainda estava desconfiado do quanto o lado “aventura” realmente iria contribuir. E, olha, é bastante, até porque não é só aventura. O lance é o seguinte. O jogo se passa em um futuro pós-apocalíptico nas florestas do norte europeu em que, por algum motivo que ainda não descobri, alguns animais e humanos se tornaram mutantes e se juntaram em uma Arca, enquanto o resto morreu ou virou semizumbi (humanos ainda sencientes, apenas deformados e meio burros). Os habitantes da Arca saem em expedições por recursos e evitam ou enfrentam os semizumbis, que por sua vez volta e meia tentam invadir a Arca.
Essa premissa não é ultrainovadora mas pelo menos difere um pouquinho do usual de um Fallout da vida, e além de replicar bem o humor fino dos primeiros jogos da série, ainda serve como bom propulsor para as mecânicas próprias do jogo. Você parte para áreas isoladas com visão isométrica usando mutantes – entre eles, o pato e o porco antropomorfizados da capa do jogo – como unidades da sua party, e zanza normalmente pelos mapas atrás de itens, entulho e lembranças da civilização anterior, exatamente como um RPG de ação leve “normal”, até topar com inimigos. Aí entra a primeira grande sacada de Mutant Year Zero: você pode se esgueirar e dar a volta para encontrar um inimigo que se isolou, entrando em combate somente com ele de início. Se conseguir iniciar a luta sem ser visto e eliminar o adversário ainda no seu turno com armas silenciosas, o combate acaba na hora, e você reduziu os números inimigos naquela área.
Esse é um diferencial para XCOM que se integra bem à exploração e tensão do cenário e, em alguns mapas, permite coisas maravilhosas como eliminar todos os capangas um a um sem alertar o “chefe” da área – é só ter paciência, investigar toda a área e prestar atenção nas rondas de cada unidade inimiga. O jogo foi tão feito para isso que iniciar o combate de peito aberto, sem examinar o resto do mapa e diminuir as fileiras adversárias, pode levar a confrontos bem difíceis em que você talvez escape por um fio, se escapar. E o combate em si é um ótimo clone de XCOM com uma vantagem crucial: lembra dos momentos de azar extremo em que sua unidade errava três tiros com mais de 90% de chance na sequência? Em Mutant Year Zero, esses casos simplesmente não acontecem. De alguma forma, as probabilidades foram ajustadas a seu favor, a ponto de não ter errado um tiro de 75% que fosse até agora, mesmo depois de horas e horas jogando.
O jogo também não tem gerenciamento de base, e sim um hub estático – a Arca – com as lojas para os diversos tipos de upgrades e aquisições de armas, como em um RPG. O sistema de progressão é bem acelerado, distribuindo níveis de personagem sem parar, já que você vai precisar de bastante pontos para comprar as Mutações das suas unidades, ou as ações/habilidades únicas que elas podem usar nos turnos de combate. Por exemplo, Dux, o pato, pode voar para ganhar os benefícios de terreno elevado (detalhe: com asas de mariposa, não de pato!), enquanto Bormin, o porco, pode sair correndo e nocautear um adversário por um turno, inclusive atravessando paredes no processo. Você encontra outras unidades com o tempo, mas não muitas: por enquanto só achei mais dois mutantes mais humanos, e de qualquer forma você só leva até três unidades a campo.
Somando tudo isso, o que temos aqui é uma espécie de XCOM “light” não no combate, mas no conteúdo em geral, eliminando o excesso de gerenciamento de inventário e base para colocar no lugar um lado narrativo mais forte, um cenário mais único do que invasão extraterrestre e um tom menos opressivo, tudo funcionando a favor de quem gosta de RPGs e jogos de aventura mas não morre de amores por estratégia. É um meio termo bem inteligente que entra naquela categoria de colcha de retalhos que acaba não se parecendo demais com nenhuma das inspirações. Os valores de produção de Mutant Year Zero, incluindo o visual e as atuações dos dubladores, estão acima da média para um jogo não-AAA (é publicado pela Funcom, então não exatamente “indie”). Ah, e ele parece ter uma duração bem mais razoável do que os XCOMs, na casa das 15-20 horas, com um preço menor de acordo (R$ 88 no momento, fora os 20% de desconto para assinantes do Game Pass).
Eu andava bem sem paciência para jogos de estratégia, até mesmo para séries que adoro como Valkyria Chronicles (não comprei o quarto jogo até hoje, inclusive), mas Mutant Year Zero, com sua ênfase maior em narrativa e exploração e sua ideia sensacional de embutir stealth para enfraquecer fileiras inimigas, me fez relembrar como jogos táticos podem ser divertidos – e como podem ficar ainda mais envolventes só com algumas mudanças espertas aqui e ali. O combate tático vira um meio, assim como o combate de turnos em um RPG das antigas, e não um fim em si. Isso quer dizer que Mutant Year Zero não vai saciar os viciados em jogos de estratégia 4X de PC, que esperam dezenas ou centenas de horas de combate ultraintricado… Mas pode facilmente introduzir “não iniciados” ao gênero sem sacrificar os preceitos mais centrais de tática. Recomendo fortemente, e se continuar encontrando pérolas como essa a cada mês – Void Bastards tem cara de ser outra – os R$ 14 mensais vão virar uma barganha.
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