Melhores de 2012 – Spec Ops: The Line (PC/PS3/X360)

2012
Best of

Este artigo faz parte da série Melhores de 2012, com os games lançados este ano que este humilde (cof) blog considera que devem ser jogados por quem puder. Não vou escolher quem é melhor em categoria A, B ou C, e sim apenas X jogos de destaque, em ordem cronológica, com seus pontos fortes listados. Entenda melhor essa lógica no artigo Melhores de 2012: Experimentando um novo modelo.

Spec Ops: The Line (PC/PS3/X360)
Disponível para PC, PS3 e Xbox 360. Data de lançamento: 26/06. Preço atual: R$ 45 (PC/Steam; R$ 22,50 até 05/01)

Uma das tendências modernas que mais me irritam no mundo dos jogos é o mimimi incessante sobre a popularidade dos jogos de tiro (em 1ª pessoa em especial, mas não somente). Agora tudo que envolva tiro é “genérico” – mesmo que atirar em um alvo seja uma mecânica tão básica quanto pular em plataformas ou golpear um adversário em luta 1 contra 1, e ninguém diga que Rayman: Origins ou Tekken Tag 2 são “genéricos” por conta disso. Além do mais, o mimimi indistinto acaba mascarando o real problema: o design pobre e inconsequente de alguns shooters militares atuais. Não estou falando da linearidade; isso é aceitável, desde que o jogador tenha alguma liberdade para improvisar ou viva as consequências do que fez por escolha própria. É aí que Spec Ops: The Line entra: ele brinca com essas convenções de jogos de tiro de maneira deliciosamente subversiva.

Quando você é guiado como um rato de laboratório por um jogo inteiro, seja de tiro ou não, é absolutamente impossível sentir todo o peso dos atos do personagem que está controlando. Os desenvolvedores de The Line entenderam isso e criaram uma obra em que o jogador se sente confortável no início, passando por um típico (“genérico”?) jogo de tiro em 3ª pessoa com cobertura… Apenas para descobrir que as coisas não são tão simples. Em pontos-chave da trama, situações se “abrem” para o jogador, todas sem escolhas binárias de diálogo, e sim apenas momentos em que se deve tomar uma atitude direta. Tento salvar este ou aquele refém? Será que dá tempo de salvar o segundo depois? Será que há uma terceira opção? No momento mais inesquecível, você procura, desesperado, por outro curso de ação, até descobrir que desta vez não há – e ao tomá-lo, as consequências serão muito piores do que imaginava (esta imagem, com o protagonista em close e os companheiros discutindo no fundo, é sem dúvida a mais memorável de todos os jogos deste ano, e de todos os jogos de guerra já feitos).


Puzzles - Melhores de 2012Pontos altos

‡ Atmosfera   ‡ Dificuldade (Equilibrada)   ‡ Direção de Arte   ‡ Dublagens
‡ Mecânica (Escolhas)   ‡ Narrativa   ‡ Subversão de Expectativas


A opção por escolhas orgânicas e por subverter as expectativas do fã comum de jogos de tiro, acostumado a “seguir o líder” sem assumir responsabilidades pelas suas ações virtuais, não teria dado certo se a narrativa não fosse tão boa e subversiva quanto. Em The Line, temos soldados americanos indo atrás de soldados… americanos (não russos, nazistas, árabes etc.) em uma Dubai soterrada e isolada do resto do mundo; o que começa como uma missão simples de resgate se complica enormemente, assim como no filme Apocalypse Now (e por extensão o livro O Coração das Trevas). A narrativa de Spec Ops: The Line não é sobre um soldado especial ou grupo de elite que salvará o mundo de terroristas malucos, e sim um retrato do que uma guerra pode fazer com as pessoas. De certa forma, a guerra serve em The Line o mesmo papel que o apocalipse zumbi serve na franquia The Walking Dead (em qualquer formato): ambos não são o tema principal, na verdade, e sim apenas situações-limite que possibilitam o tratamento de temas mais universais.

The Line é tão fora da curva em termos de cenário e expectativas que até o fato da sua jogabilidade ser apenas funcional é uma vantagem: seria muito estranho se atirar em inimigos fosse tão prazeroso aqui quanto em Call of Duty ou Gears of War. A preocupação dos desenvolvedores recaiu sobre aspectos técnicos que enriquecem a opção por uma narrativa pouco convencional, como a atmosfera tensa de Dubai soterrada, a direção de arte que enfatiza o contraste entre a riqueza da cidade e a desesperança pós-“apocalipse de areia”, a dificuldade equilibrada (aqui se morre facilmente com 2-3 tiros bem dados, como em Battlefield) e as excelentes atuações – em especial do onipresente Nolan North, na mais distinta atuação de sua vida.

E o mais engraçado é que por causa da capa aparentemente genérica (reparem que o soldado-padrão se desfaz em areia na parte de baixo, e isso faz muito sentido no contexto do jogo!), da demo que apresenta apenas a jogabilidade funcional básica, da inclusão forçada de um desnecessário modo multijogador e do muxoxo geral anti-jogos de tiro dos hipsters de plantão, Spec Ops: The Line pode passar batido por muitos dos que querem justamente que os jogos de guerra sejam assim. Mas até nisso os desenvolvedores foram espertos: o importante mesmo é mostrar ao fã médio de Call of Duty que a guerra não é algo divertido, nem bonito. Até o espectador médio sabe que filmes como a comédia M*A*S*H* e o drama Nascido Para Matar são visões totalmente opostas da guerra, ambas válidas, e estava na hora dos jogos abrirem seu leque de opções nesse gênero também. Spec Ops: The Line com certeza vai agradar o gamer pacifista ingênuo e politicamente correto, mas é muito mais importante pela quebra de expectativas – um verdadeiro divisor de águas, que deve ser experimentado por todos, até quem não gosta de jogos de tiro e guerra.

8 comentários sobre “Melhores de 2012 – Spec Ops: The Line (PC/PS3/X360)

  1. Como sempre, ótimo texto.
    Spec Ops, ao lado de Journey, foi uma das melhores experiências com videogame que já tive.

    E Fábio, seria legal futuramente desenvolver aqui no blog, uns comentários sobre os problemas de Bioshock que recentemente você fez no twitter.

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  2. Não havia prestado atenção em Spec Ops por não gostar muito de shooters de guerra. Não por achá-los genéricos nem nada, apenas porque essa temática geralmente não me atrai nos games – à exceção de MGS, e por incrível que pareça eu AMO filmes de guerra. o_O

    Mas seu texto me convenceu a jogá-lo. Especialmente esse período:

    “De certa forma, a guerra serve em The Line o mesmo papel que o apocalipse zumbi serve na franquia The Walking Dead (em qualquer formato): ambos não são o tema principal, na verdade, e sim apenas situações-limite que possibilitam o tratamento de temas mais universais.”

    =D

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    • Se eu pudesse contar qualquer pedacinho da história, vc ia ficar maluca. Não é à toa que o único jogo de 2012 cuja narrativa chegou a roubar prêmios de The Walking Dead foi Spec Ops: The Line. Aquele momento da imagem linkada acontece quase no meio do jogo (curto, terminei em 7 horas), e depois DAQUILO não joguei mais nada até terminar The Line.

      …As imagens antes dessa cena ainda me deixam arrepiado até hoje só de lembrar. Stuff of nightmares.

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      • Não aguento de curiosidade, já cacei no Youtube.

        —–> O_O

        [SPOILER ABAIXO]

        Cara, absolutamente incrível essa cena. *-*
        Que perfeito como trabalharam o momento em que ele assimila a dimensão do que fez, não consegue lidar com a culpa e a transfere pros inimigos (“I’m gonna make these bastards pay for what they’ve done”). Que é o que geralmente acontece nessas situações, né? Como o carinha havia dito, “there’s always a choice”, mas a pessoa prefere se convencer do contrário pra validar suas decisões e só depois de fazer merda que a ficha cai. Adoro quando não idealizam as coisas.

        E o close no outro todo queimado, e ele mó frio dizendo: “you brought this on yourself”? Que tenso!

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        • Mulher, mulher, tu precisa aprender a controlar essa tua curiosidade! XD

          A cena é ótima em si, mas ao assisti-la apenas sem passar pelo que acontece antes, você perdeu duas coisas *importantíssimas*:

          – Você não passou pelo tempo com Spec Ops como um jogo “genérico” de tiro antes, o que te faz “relaxar” e aí quando o jogo puxa seu tapete nas escolhas, o tombo dói mais;

          – Você não passou pelas escolhas anteriores, e nem *viveu* o desespero de tentar NÃO usar o diabo do negócio. Cara, eu fiquei DEZ MINUTOS ao lado daquilo (quem viu a cena sabe o que é) tentando resolver a situação SEM USÁ-LO – até me dar conta de que não tinha outra opção, que não adiantava tentar apagar todos os soldados à distância que sempre aparecia mais. Ver aquela cena depois *disso* causa um impacto muito maior.

          É por essas e outras que se vocês que estão lendo prestarem atenção, vão ver que eu nem mesmo contei quem os soldados vão resgatar em Dubai, por que, etc. Quanto menos vocês souberem da narrativa e dessas tais escolhas orgânicas, melhor. Confiem em mim 😉

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          • Err… Tenho mesmo que aprender a controlar minha curiosidade. @_@

            Mas agora estou ainda mais ansiosa pra jogar! hehehe
            Vou me dar Spec Ops de presente.

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  3. Esse olhar da foto que o personagem usa é chamado “O olhar de mil jardas”. O olhar de mil jardas é uma frase cunhada para designar o olhar perdido e sem foco do soldado exausto pelas sucessivas batalhas que enfrentou, mas tal sintoma pode ser usado também para vítimas de outros tipos de trauma. Uma característica do stress pós traumático, o olhar perdido reflete uma dissociação do trauma. Relatando seu retorno do Vietnã em 1965, o então cabo Joe Houle disse que não via emoção nos olhos dos soldados de seu novo esquadrão: “Parecia que fora sugada a vida dos olhares deles.” Depois, quando soube que o termo para esta condição se chamava olhar de mil jardas, Houle disse “Depois que perdi meu primeiro amigo, senti que o melhor a fazer era desapegar-se das coisas.”

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